quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O Anticristo

Nietzsche anunciou, "Deus está morto". A era do Anticristo é agora. Sua visão niilista do mundo deixou muita gente atônita. Seu pessimismo, notável, perante a humanidade, traçou novos rumos na filosofia contemporânea. Mas isso foi no século XIX, há muito tempo e muita coisa mudou.

Hoje, Lars Von Trier anuncia, "Deus está morto". Lars matou Deus e arrastou todos para o inferno do Éden. "O Anticristo" de Lars não é uma obra que irá traçar novos rumos no cinema, mas com certeza pode-se dizer que é tão impactante quanto o livro de Nietzsche.

Não é um filme fácil, muito menos agradável, é tenso, pesado, chocante, mas, ainda sim, belíssimo. Já começa com um prólogo lindíssimo, em preto e branco, em câmera lenta, abarrotado de simbologias. A água caindo no rosto da esposa, a babá eletrônica no mudo, os três soldados de chumbo sobre a mesa, a garrafa de uísque sendo derramada, a janela se abrindo, o filho jogando os soldados de chumbo no chão, o ursinho amarrado no balão, etc. O prólogo te conta tudo.

Mas aí a coisa fica mais pesada. Lars te leva para o Éden, onde os humanos fazem o inferno, como dois anjos caídos tentando redimirem-se de seus erros. É a natureza do homem - e da mulher - carregar o inferno da existência. A dor, o sofrimento, e o luto, carregam o filme. A esposa, interpretada por Charlotte Gainsburg, passa por estes três estágios após a trágica morte de seu filho. Seu marido, interpretado por Willem Dafoe, um psicanalista, tenta tratar sua mulher e ajuda-la a passar por estes estágios. Para isso, eles vão para o Éden, uma floresta onde existe uma cabana onde a esposa passou um tempo estudando a natureza da mulher. E é para lá que ela volta, não para estudar a sua natureza, mas para vive-la. E aí o inferno reina.

Na tentativa frustrada de tentar ajudar a esposa, ele vê sua mulher transformando-se em algo que nega a natureza, toda a natureza, a dela, a dele, e a natureza em si. "A árvore apodrece lentamente", ela diz, como todos nós apodrecemos aos poucos até o inevitável fim. Ora ela ama, ora ela odeia, ora ela sorri, ora ela chora, ora ela expõe seu ódio. As imperfeições do humano estão todas lá, explícitas e chocantes. Fazer sexo para fugir da dor, fazer sexo para fugir do sofrimento, fazer sexo para fugir do luto, fazer sexo para fugir do sexo, o seu próprio sexo, deixar de ser mulher ou homem. As cenas com mutilações genitais chocam, mas ali mostra a vontade dela de não ser mais quem é, nem a vontade de ver seu marido ser quem é. Para ela, ele deixou de ser homem, e ela deixou de ser mulher. No Éden ninguém é homem ou mulher, como anjos, assexuados, anjos caídos, malditos, presos em corpos humanos, carregados de dor, sofrimento e luto.

Até que os três mendigos chegam. Diferente dos três Reis Magos que trazem presentes para o novo salvador, os três mendigos trazem a morte. Lembra-se dos três soldados de chumbo que o filho derruba no começo do filme? Cada soldado tinha um nome: Dor, Sofrimento e Luto. Os três mendigos trouxeram o presente para o filho: A morte inevitável. A morte enquanto os pais faziam sexo. O alfa e o ômega. O início (sexo) e o fim (morte). Essa é a imagem que Lars - um ateu - tem de Deus.

Um filme para poucos. Há muito romantismo na obra. Mas não é qualquer um que aguenta esse romantismo.

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