domingo, 25 de abril de 2010

Lanterninhas # 02: A cor do som

Quando lançou o filme Faça a Coisa Certa, em 1989, o diretor Spike Lee escancarou o racismo e o preconceito da sociedade norte-americana. Negros, brancos, e estrangeiros, todos foram caracterizados da forma como sempre agiram: de serem intolerantes com o próximo. No ano seguinte ao lançamento do, talvez, melhor filme de sua carreira, Spike Lee realizou o ótimo e surpreendente Mais e Melhores Blues (Mo’ Better Blues), tendo à frente do elenco um Denzel Washington em início de carreira.

O filme retrata a vida de Bleek Gilliam, líder de uma banda de jazz, interpretado por Washington. Na sua infância, foi forçado pela mãe exigente a aprender a tocar trompete. Sem ter como brincar com os amigos, Bleek vê em seu instrumento o único brinquedo com o qual pode se divertir. Ao contrário da mãe, seu pai é mais tranquilo, desenvolvendo assim um laço de amizade que irá perdurar ao longo dos tempos.

Já adulto, Bleek tornar-se líder de uma banda de jazz, e passa a chamar a atenção do público de uma casa de shows no bairro do Brooklyn, em Nova York. Em meio a esse sucesso, ele deve lidar com as fanfarras de seu amigo e empresário da banda(interpretado por Spike Lee), que é viciado em apostas de beisebol, o que o leva a dever muito dinheiro para a máfia dos apostadores. Além disso, Bleek é trapaceado pelos donos da casa de shows, que não querem aumentar o cachê da banda, mesmo com o estrondoso sucesso.

Mas o tema central do filme é como o personagem de Washington consegue ser um brilhante músico e, ao mesmo tempo, péssimo para relacionamentos. Faz com seu parceiro de banda e amigo de longa data, interpretado por Wesley Snipes, uma espécie de inimigos íntimos: ambos são talentosos e parecem grandes demais para caberem em uma mesma banda. E o que mais chama a atenção é como Bleek não consegue se relacionar com as mulheres do filme: tanto com a sua mãe, na infância, como com as suas duas amantes. E isso acaba interferindo no rendimento dele.

Mais e Melhore Blues também trata de racismo em algumas partes do filme, mas o importante do longa é saber como uma pessoa pode conhecer o sucesso e o fracasso em um espaço curto de tempo. A trilha sonora, liderada pelo mestre John Coltrane, dá o tom certo para este filme que mescla momentos de drama, de romance, e de comédia. Excelentes músicas para um ótimo filme.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A Leste de Bucareste


Nicolae Ceausescu liderou, de 1965 a 1989, a Romênia com uma ditadura de esquerda com aval da União Soviética. Em 17 de dezembro de 1989, manifestantes contra a ditadura foram recebidos com tiros nas ruas da da cidade Timisoara. A reação popular ocorreu em diversas cidades e, cinco dias depois, quando a revolta chegou à capital Bucareste, em 22 de dezembro, Nicolae Ceausescu deixou o poder e foi executado.

A fost sau n-a fost? - Para quem souber romeno. Por aqui, o filme chegou com o nome "A leste de Bucareste". Essa comédia romena, do estreante roteirista e diretor, Corneliu Porumboiu, é pautada numa questão historigráfica. O filme se passa numa cidadezinha a leste de Bucareste e, no aniversário de 16 anos da Revolução que derrubou Ceausescu, um programa de entrevistas de uma rede local faz um programa especial tentando responder a pergunta: nossa cidade participou da revolução? A rede nacional romena televisionou a queda de Ceausescu às 12h08 e, se não havia ninguém na praça da cidade protestando antes deste horário, a cidade não participou. E é aí que começa a comédia. O apresentador do programa Jderescu (que também é o dono da emissora) convida 2 pessoas que dizem ter participado da Revolução na cidade, Manescu, professor de história alcoólatra e Piscoci, um velho aposentado que está preocupado com a roupa de Papai Noel que vai usar no natal.
O filme se mostra bem descompromissado, talvez, até capenga. Capenga como tudo é mostrado no filme. Manescu é um professor capenga, Piscoci é um velho capenga, a casa de Manescu é capenga, o café da manhã que ele toma é capenga, a roupa de Papai Noel de Piscoci é capenga, e acima de tudo, a emissora de TV de Jderescu é capenga.
A primeira metade do filme mostra as personagens, Manescu enchendo a cara, indo para a escola dar aula, dando calote no bar. Piscoci indo até uma loja de fantasias tentar encontrar uma roupa de Papai Noel. Jderescu tentando encontrar pessoas para entrevistar para seu programa, e, para mostrar o quão capenga é, Jderescu vai buscar os entrevistados de carro - diga-se, um carro bem capenga.
Piscoci, Jderescu e Manescu.

É nessa apresentação que vemos que a questão do programa não é bem uma tentativa de colocar a pequena cidade no mapa, mas mostra mais uma questão de identidade social. 16 anos depois da queda do Socialismo e a vinda do capitalismo, a cidade ainda está capenga como na época socialista, parece que não houve uma vontade de erguer a cidade, de mudar, de evoluir, a cidade estagnou. Talvez Jderescu tenha feito este programa para tentar mudar o pensamento dos cidadãos, mas no decorrer do programa - aonde está o humor fino do filme - o tiro sai pela culatra.
Porumbiu foi premiado com um Camera D'Or em Cannes, em 2006.