quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

It's a bingo!

Existem alguns diretores que gostam de tentar mudar o mundo e fazer o espectador pensar. Tarantino não quer tentar salvar o mundo, mas te faz pensar sobre tudo o que você acabou de ver, experimentar, viver. Tarantino não te mostra nada novo, nem tenta reinventar a roda. Ele te dá tudo aquilo que você sempre quis, mas que você nem conseguia imaginar como ficaria. Uma explosão de clichês cinematográficos que, nas mãos dele, tornam-se uma obra-prima.

Tarantino é um maníaco por cinema. Bastardos Inglórios, acima de tudo, é um filme para cinéfilos, incrivelmente cinematográfico. Ele busca em Sergio Leone a inspiração para as cenas de conflito, a tensão e os ângulos, e até a trilha sonora (Ennio Morricone, eterno parceiro de Sergio Leone, participa da trilha sonora de Bastardos). Em Truffaut e Godard ele busca o estilo Nouvelle Vague para a personagem de Shosanna (interpretada por Mélanie Laurent) e seu cinema na Paris dos anos 40. De Hitchcock, o cigarro é apagado no apfelstrudel (referência a Ladrão de Casaca). Dos filmes de guerra saiu a inspiração para o nome da personagem de Brad Pitt, o Tenente Aldo Raine. É a mistura dos nomes de dois atores que ficaram famosos interpretando caras durões em filmes de guerra, Aldo Ray e John Wayne. De um filme italiano de Macaroni Combat, do diretor Enzo Castellari, o título (o italiano se chama Inglorious Bastards, enquanto o de Tarantino, Inglourious Basterds, com os erros mesmo). Tarantino explicou que fez essas “mudanças” para não pensarem que seu filme é uma refilmagem do italiano.

Dividindo o filme em capítulos (e aqui cabe dizer, respeitando a linearidade dos fatos, porque Tarantino sempre gostou de fazer seus filmes fora de ordem), como um livro, a história se desenvolve de forma tensa e marcante até chegar em seu clímax absurdo. A habilidade de Tarantino em apresentar as personagens de forma caricata ajuda no desenvolvimento da trama, pois logo de cara identificamos quem é quem no filme (o americano caipira, a francesa indiferente, os nazistas pomposos). E na apresentação da primeira personagem já deparamos com algo que Tarantino sabe fazer muito bem, os diálogos. Em Cães de Aluguel é discutida a música Like a Virgin de Madonna; em Pulp Fiction discutem o nome do “quarteirão com queijo” em outros países; em Kill Bill discutem sobre a verdadeira identidade do Super-Homem e que, na verdade, Clark Kent é o seu alter-ego; em Bastardos Inglórios é discutida a repulsa humana por ratos e a indiferença por esquilos, usando este argumento para justificar o ódio dos nazistas pelos judeus na concepção da personagem Hans Landa (interpretado por Christoph Waltz), o nazista que todo mundo odeia amar. Sim, Tarantino te faz amar um nazista.

A vingança é o que move Tarantino. A primeira coisa que vemos na tela, em Kill Bill, é o provérbio Klingon (Tarantino é nerd) “a vingança é um prato melhor servido frio”. Em Bastardos Inglórios a vingança é um absurdo. É uma vingança histórica fora da realidade humana. Tarantino tomou a liberdade de jogar para o alto a história da humanidade e fez o que todo mundo gostaria de ter feito na época: matar Hitler. Tarantino fez o que nenhum cineasta ousou fazer, tirou a estigma de coitados dos judeus e os transformou em frios vingadores, que saem pela França matando nazistas à pauladas, marcando os sobreviventes, como sofreram os judeus na verdadeira Segunda Guerra. E aí podemos dizer então, que sim, há algo de novo em Bastardos Inglórios, afinal. É o inesperado que Tarantino gosta de usar. E o inesperado aqui é muito mais forte porque, em um filme sobre a Segunda Guerra, ninguém espera que Hitler seja assassinado. E Hitler é morto por um bando de soldados americanos judeus que se fingem de italianos. O absurdo de Tarantino é sempre constante. Um filme que se passa na França, praticamente inteiro falado em francês e alemão, onde o nazista começa a falar inglês não para agradar o público americano que odeia legendas, mas porque os judeus escondidos na casa do fazendeiro não entendem inglês.

São as sutilezas que fazem o filme marcante. A forma como a vingança é feita, referência à forma como muitos judeus foram mortos nos campos de concentração. Shosanna se maquiando para a première, que é uma referência às mulheres judias que usavam pinturas de guerra nos rostos para lutar contra os soldados nazistas nos campos de concentração. Um velho decadente sentado ao piano, fumando e bebendo, uma referência ao Primeiro Ministro inglês Winston Churchill. A verdadeira Segunda Guerra pulsa na fantasia de Tarantino.

Pode não ser a obra-prima de Tarantino, mas não podemos deixar de falar que é um excelente filme. Depois desta orgia cinematográfica só conseguimos pensar numa frase que Tarantino disse certa vez, “eu adoro foder com os espectadores. Fazê-los pensarem em tudo o que viram”. Nos fodeu, mesmo.

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